Mais uma vez o futuro do modelo Zona Franca de Manaus, criado há 53 anos para promover o desenvolvimento econômico da Amazônia Ocidental, foi colocado em discussão, agora com base em projetos de sustentabilidade e da bioeconomia. Nesta sexta-feira (28), em webconferência promovida pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-AM), ficou claro que, daqui a outros 53 anos, quando o prazo dos incentivos fiscais acabar, já deverá estar consolidado um novo modelo na região baseado na economia da floresta em pé e preservada.
Não que a ZFM tenha representado algum dia um estímulo ao desmatamento. Implantado em 1967 pelo governo brasileiro para integrar a região ao restante do país, ao mesmo tempo garantindo a soberania nacional sobre suas fronteiras, o modelo tem sido, indiretamente, um aliado dos que hoje defendem o conceito de floresta em pé: é graças à natureza das atividades econômicas concentradas no Polo Industrial de Manaus que o Amazonas figura como o estado onde houve redução drástica dos desmatamentos e queimadas nos últimos 50 anos.
Foi o que defendeu o ministro Mauro Campbell Marques, do Superior Tribunal de Justiça, um dos conferencistas, que deu “a visão do julgador” ao evento. Amazonense, com passagem por vários tribunais do estado, ele disse que se vê obrigado, sempre que fala da Zona Franca de Manaus aos colegas da Suprema Corte, a dar uma visão histórica do modelo, com seus antecedentes e perfil socioambiental, embora na época em que foi criado, não se tivesse ainda preocupações ambientalistas.
Junto com Campbell, atuaram como conferencistas o advogado Sérgio Leitão, diretor-executivo do Instituto Escolhas, e a antropóloga e ambientalista Maritta Koch-Weser, coordenadora do Grupo de Pesquisa Amazônia em Transformação: História e Perspectivas, ligado à Universidade de São Paulo (USP). Como debatedores, atuaram o presidente da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (FIEAM), Antonio Silva, o empresário Dênis Minev, diretor-presidente do Grupo Bemol, e o senador e ex-governador do Amazonas, Eduardo Braga.
Ao abrir o evento, o presidente do TCE-AM, conselheiro Mário de Mello, disse que é preciso continuar lutando pelo tratamento diferenciado à Zona Franca de Manaus e a preservação de suas vantagens comparativas por se tratar de uma questão de sobrevivência imediata.
“Mas devemos, sobretudo, criar as condições necessárias para o investimento pesado em bioeconomia”, disse ele. Citando o intelectual amazonense Samuel Benchimol (1923-2002), Mello disse que é vital e urgente promover a ocupação inteligente da Amazônia, o que somente se dará se a estratégia posta em prática for economicamente viável, ecologicamente adequada e politicamente equilibrada, socialmente justa e tecnologicamente eficiente.
Negócios Sustentáveis
Autora, junto com outros parceiros do projeto Amazônia 4.0, que defende a “bioeconomia da floresta em pé e dos rios fluindo”, Maritta Koch-Weiser apresentou, no seminário, como uma das vertentes para o crescimento da bioeconomia na região, o projeto da Escola de Negócios Sustentáveis da Floresta Tropical (Rainforest Business School), num processo colaborativo com a Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Segundo ela, o projeto da escola foi lançado em novembro do ano passado, com promessa de iniciar o primeiro curso em março deste ano, mas teve que ser adiado por causa da pandemia, e deve começar no próximo mês de outubro o seu primeiro curso on-line.
“O desafio é fazer crescer essa bioeconomia que já existe. Precisamos das instituições mas também do incentivo intelectual porque o fundamento da bioeconomia é o conhecimento”, disse Maritta, que já teve atuação como diretora do Banco Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento Socialmente Sustentável para a região da América Latina e Caribe e hoje preside a Earth3000, organização sem fins lucrativos fundada em 2001, que apoia inovações estratégicas em governança para meio ambiente e desenvolvimento.
A Escola deve funcionar, segundo ela, como promotora do crescimento com base na biodiversidade, para beneficiar, em primeiro lugar, as populações ribeirinhas. Entre os cursos de especialização e aprendizagem de campo, Maritta citou governança bioeconômica e ambiental, e recuperação de áreas degradadas, esse porque, segundo ela, 20% dos 800 mil quilômetros quadrados de área desmatada em toda a Amazônia, são áreas degradadas e abandonadas.
Banzeiro
Para falar sobre como destravar a bioeconomia na Amazônia, o ambientalista Sérgio Leitão, terceiro e último conferencista, disse que a Zona Franca de Manaus sempre remou contra a maré e que agora enfrenta um imenso banzeiro, fazendo questão de explicar à alemã Maritta do que se tratava o termo amazônico. “Os negócios na Amazônia, como no Brasil, são uma verdadeira corrida de obstáculos”, disse.
Leitão avaliou as ameaças que pesam sobre o modelo Zona Franca, primeiro como resultado de uma crise fiscal permanente no Estado Brasileiro, que sempre ameaçou os incentivos regionais concedidos pelos governos. Em seguida, vem a competitividade do PIM em função das mudanças de padrão tecnológico no mundo. “A indústria 4.0 está aí e traz uma interrogação imensa não apenas quanto a competitividade, mas de geração de emprego numa região com indicadores sociais muito negativos”, disse. Uma outra ameaça diz respeito ao novo prazo para vigência dos incentivos fiscais da Zona Franca que leva a uma questão fundamental, segundo Sérgio Leitão, sobre como nos preparamos para isso.
“E aí, entramos no projeto da bioeconomia, que não pode ser tratada como um conceito oco, como é comum no Brasil onde não se estabelecem as condições para que um projeto se viabilize”, disse o ambientalista. Na discussão do que precisa ser feito para que a bioeconomia faça parte do portfólio de investimentos na região amazônica, em especial na Zona Franca de Manaus, Leitão diz que um dos pontos é fazer com que o incentivo dado hoje ao modelo não seja destinado apenas ao que é fabricado mas também à inovação para que se faça frente a “essa fraqueza na produção científica do Estado”. E nisso, segundo ele, a própria Zona Franca deixa de ser o problema para ser a solução.
“A região já conta com um poderoso fundo de Ciência e Tecnologia, e uma primeira agenda que podemos pensar, junto com o Tribunal de Contas, é avaliar as referências do que pode ou não estar dando certo. O TCE, porque isso está na moderna concepção dos Tribunais de Contas, pode indicar o caminho para que se alcance o melhor resultado”, sugeriu.
Na avaliação do ambientalista, uma das grandes ameaças aos negócios comunitários da bioeconomia está na violência existente hoje no interior da Amazônia, que foi cortando as rotas de escoamento dos produtos em função do domínio das facções do tráfico de drogas.
Em relação à Escola de Negócios Sustentáveis, Sérgio Leitão viu uma oportunidade de diálogo com o Sistema S, já que na sua avaliação, há um problema com a capacitação para os negócios comunitários. “Estou propondo um Sebrae da Floresta que possa atuar também no ecoturismo”, disse.
Indústria
Como representante do segmento industrial no evento, o presidente da FIEAM Antonio Silva, observou que houve um alinhamento no pensamento dos participantes em prol de um único objetivo: falar da Zona Franca, segundo ele, obrigatoriamente, perpassa a questão da sustentabilidade no cenário atual sobre bioeconomia.
Segundo Antonio Silva, a proteção ao meio ambiente passa pelo conhecimento das suas potencialidades, a exploração racional dos recursos que oferece. “Pensando em novos rumos para a indústria surge a bioeconomia que é hoje uma alternativa interessante para o incremento da economia amazonense e, principalmente, para sua interiorização”, disse o presidente da FIEAM.
Entre os vetores para alavancar a bioeconomia, Antonio Silva citou a biotecnologia industrial, a produção primária e a saúde humana. “Nesse contexto, entra o CBA (Centro de Biotecnologia da Amazônia), que é o patrimônio da Amazônia e embrião do polo de bioeconomia e deve ser trabalhado de tal forma que venha atender às demandas da nossa economia”, concluiu Antonio Silva.