Equipe pedagógica compartilha desafio de trabalhar por competências e áreas de conhecimento. Alunos relatam amadurecimento e preparação para mercado de trabalho
Alunos, pais, docentes e coordenadores pedagógicos da primeira turma do Novo Ensino Médio no Brasil têm muita história para contar. Vivências e aprendizados que resultaram da inovação em sala de aula promovida pelo Serviço Social da Indústria (SESI) e pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) com a implementação da Lei 13.415/2017.
Agora que já sabemos quais são as mudanças e o porquê da nova proposta para a última etapa da educação básica (veja na primeira matéria da série, Um Novo Ensino Médio), é hora de ouvir os relatos de quem participou do processo.
Dos 198 alunos que ingressaram em 2018 nas turmas piloto dos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo e Goiás, 81,5% vieram de escolas públicas. Eles estudaram no itinerário 5, de Formação Técnica e Profissional (FTP). No projeto piloto, o curso técnico escolhido foi o de eletrotécnica, pela transversalidade e demanda do mercado de trabalho.
Para alguns estudantes, como Carlos Eduardo Silva, 18 anos, de Maceió (AL), foi o primeiro contato com uma metodologia voltada para a ciência e a tecnologia. O jovem comenta que será o primeiro da família a ter formação profissional, o que é motivo de orgulho para os pais, e que pretende trabalhar na área por um tempo para ter condições de pagar a faculdade.
“Uma coisa que eu acho bem legal é a pesquisa. Para tudo o que você não souber, pesquisar é a melhor opção. Então eu me dediquei muito a aprender e muito do que sei hoje vem das pesquisas que fiz. E já sei a faculdade que eu quero ir. Só que ela é particular. Por isso, eu tenho que ter autonomia”, conta Carlos Eduardo Silva.
Pais veem mudanças nos jovens
A mãe de Carlos, Elisângela Pastora da Silva, 40 anos, se orgulha não só da autonomia conquistada pelo filho com o diploma e a nova profissão, mas também do amadurecimento pessoal.
“A maneira do meu filho se comportar mudou muito. Antes ele era tímido. Agora ele tem o modo dele de ver as coisas, bem desenvolvido. Eu lembro que ele viajou por causa da robótica, eu olhava e não acreditava que era meu filho. Ele agarrou a oportunidade, foi se identificando com os estudos e se dedicando cada vez mais”, lembra Elisângela, emocionada.
Outra mãe que viu a mudança em casa e elogia a formação técnica é Elisangela Guese Crispim, de Serra (ES). De acordo com ela, a filha Júlia, de 18 anos, já colocou em prática os conhecimentos em eletrotécnica, com alguns projetos para uma arquiteta. “Através da indicação de um professor, minha filha teve a oportunidade [de serviço] e está indo muito bem”.
Conheça alguns formandos das primeiras turmas do Novo Ensino Médio no Brasil (veja fotos e vídeos)
Planejamento pedagógico conjunto para integração das disciplinas
Se, para os alunos, a nova dinâmica da sala de aula, com conteúdos integrados, trabalhos em grupo, projetos de inovação e feiras científicas, despertou mais o interesse; para os docentes, foi um grande desafio.
A pedagoga Glaubervânia Costa Silva Cardoso, do SESI José Carvalho, em Feira de Santana (BA) explica que, em vez de começarem o planejamento pensando em qual conteúdo será abordado, eles partem das habilidades e competências listadas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). “E essa habilidade começa com um verbo, como analisar o impacto ambiental em determinada região”, exemplifica.
“Assim como os alunos, ficamos ansiosos e com muitas perguntas: ‘nossa, vai dar certo?’, ‘a carga horária vai ser suficiente?’, ‘como vamos fazer já que a formação dos professores não é condizente com área de formação por conhecimento?’. Participar de um projeto inovador, que está estabelecido pela legislação, é muito importante para mim como educadora. Foi um grande aprendizado e, pelos resultados, a gente percebe que esse é o formato que a gente espera para a educação do nosso país”, conclui Glaubervânia Cardoso.
Ensino técnico e construtivo
Como o itinerário 5 é ofertado em parceria com o SENAI, os docentes dos cursos técnicos também são chamados para planejar as atividades. “O SENAI já utiliza uma metodologia própria, que trabalha com áreas de conhecimento por meio de projetos. Mas integrar a educação básica com a educação profissional sempre foi um desafio, a exemplo do EBEP [Educação Básica articulada com a Educação Profissional]”, reconhece o instrutor João Paulo Vilela Júnior, do SENAI de Aparecida de Goiânia (GO).
Na visão da coordenadora pedagógica do SESI de Maceió, Amanda Rafaela Ferreira, a reforma do ensino médio permite – e incentiva – que a escola seja não só um local de transferência de conhecimento, do professor para o estudante, mas sim um ambiente para o aluno escrever a própria história e repensar e discutir conceitos.
“Enxergar a área de conhecimento e não somente o componente curricular foi uma ruptura de paradigma, que nos permitiu, e permite, ir além do que imaginávamos. É sair da zona de conforto. Os professores não atingiriam marcos tão importantes no desenvolvimento de seu trabalho se estivessem fechados em seus componentes curriculares”, acredita Amanda Ferreira.
Depoimentos dos alunos:
- Alberto Junio Novaes Guimarães, 18 anos, Aparecida de Goiânia (GO):
“Não tínhamos argumentação nenhuma, os primeiros debates viraram briga. Com o tempo, a gente começou a entender o quão importante era ter referências, fugir do senso comum e do achismo. O pessoal fica mais consciente em assuntos como racismo, homofobia, agressão física e voto.”
- Glenda Rafaella Gonçalves Ribeiro Fonseca, 17 anos, Aparecida de Goiânia (GO)
“A cultura do ensino brasileiro é muito enraizada naquilo de que só o professor tem o conhecimento e o aluno só vai adquirir conhecimento a partir dele. O Novo Ensino Médio veio para quebrar essa ideia.”
- Anna Júlia Pereira Vasconcelos, 17 anos, Goiânia (GO)
“Quando você estuda por área de conhecimento, você vê que tudo se completa, que estudar separado não faz sentido. Uma das coisas é o protagonismo do estudante. O professor funciona como mediador na sala, ele chega com a proposta, vai dando o norte e nós vamos atrás da matéria e do conteúdo.”
- Micael Nildo de Oliveira Souza, 17 anos, Feira de Santana (BA)
“O que chamou minha atenção é que eles valorizam o trabalho em equipe e as discussões em mesa redonda. A diferença principal foi a da conexão das áreas. A física complementava a química, como no estudo da teoria atômica. Foi bem mais interessante estudar português unido com artes e redação.”
- Igor Roberto Mendonça de Oliveira Brito, 18 anos, Feira de Santana (BA)
“Escutar só o professor falar, anotar o que o professor põe no quadro, depois ir para a casa e não estudar, não vai dar certo. O estudante tem que ser ativo. Aprender a desenvolver ideias, a pesquisar, debater.”
- Laura Lima Siqueira, 17 anos, Feira de Santana (BA)
“O projeto de aprendizagem agrega muito porque traz assuntos novos, aprendizado sobre como trabalhar em grupo e faz a gente pensar em inovar. O ensino do SESI ajuda a conviver em grupos e a se portar para o mercado de trabalho.”
- Samira Clara de Sousa Lopes, 18 anos, Serra (ES)
“O método do Novo Ensino Médio força o aluno a trabalhar as habilidades deles. É um ensino mais flexível, mais adaptativo para os alunos.”
- Guilherme Meirelles Barbosa, 18 anos, Serra (ES)
“Esse método novo de aprendizagem me preparou demais para ser empreendedor. Me tornei mais responsável e soube organizar melhor o meu tempo, porque durante o curso eram muitas tarefas e projetos grandes, como o TCC [Trabalho de Conclusão de Curso]”
- Kettlen Caroline Rocha Lima Abreu, 17 anos, Maceió (AL)
“Eram muitos trabalhos e a gente sempre tinha algo para fazer, para nos estimular. Eu aprendi na escola que a gente tem que sair da caixinha, trazer algo a mais. Os professores sempre falam isso”.
- Carlos Eduardo dos Santos Silva, 18 anos, Maceió (AL)
“Quando eu converso com outros colegas, a comparação é sempre a favor do Novo Ensino Médio, principalmente porque a gente não tem que estudar para 13 provas. Quando você faz muita coisa, deixa de ser aprendizado e passa a ser decorado, então as coisas vão embora rápido da nossa memória.”
- Daniel da Silva Saldanha, 18 anos, Fortaleza (CE)
“No 1º ano, a gente não sabia nada sobre mercado de trabalho, mas os professores foram trazendo situações e explicando, o que ampliou a nossa mente. Não conhecia o curso de eletrotécnica e, do primeiro ano até a formatura, o desconhecido virou paixão.”
- Júlio Gomes do Nascimento, 18 anos, Cascavel (CE)
“O campo de atuação na área é amplo, vai do empreendedor ao eletrotécnico industrial. Só não tem emprego quem não procura. Agradeço a Deus e aos professores que sempre estiveram ao nosso lado nos dando perspectiva, bem como ensinando a ter foco e determinação em todos os nossos objetivos.”
- Ivo Fábio de Sousa Cidrão, 18 anos, Cascavel (CE)
“Pretendo entrar no mercado de trabalho e, paralelo ao trabalho, fazer uma faculdade ou no período da noite ou no período da manhã. Eu vejo que o estado do Ceará tem muito potencial para energia renovável e é uma área que está crescendo, e combina com o curso de eletrotécnica.”